Antes de tocarem no Maximus Festival, Ghost e Rob Zombie passaram por Porto Alegre no Pepsi On Stage – um presente inexplicável dado por forças maiores, já que eu me lamentava, desolada, ter perdido ambos na edição de 2013 do Rock In Rio, naquele fatídico 19 de setembro. Hoje, quase quatro anos depois, eu finalmente pude entender do que é que o Diabo gosta e espero conseguir compartilhar com vocês aqui (mas não se enganem, minhas intenções são meramente artísticas e pouco me interessa invocar o evil master).
ATO I: Chamados por uma causa divina – Ghost
Quem assistiu o vídeo acima já deve ter ouvido “Ritual” do primeiro álbum do Ghost. O show dos suecos jogou ainda mais luz sobre o quanto nenhuma outra música deles poderia sintetizar melhor seu propósito. Em primeiro lugar, porque não se tratam de shows ou espetáculos. Cada vez que a banda se reúne em cima de um palco estão realizando, conforme eles mesmos, rituais para celebrar o anjo caído. Em segundo lugar, porque fazem jus a essa proposta seguindo sua própria tradição e performando em um alto rigor simbólico.
Antes mesmo de entrarem no palco, lá está o painel enorme com o coisa ruim retratado em uma temática de vitrais medievais, conferindo os primeiros ares sacros ao ambiente. E assim seguiu a atmosfera até o final, orientada pela notável sofisticação da banda, digna do ambiente papal, permeada por luzes brancas, fumaça, vestimentas impecáveis e teclado timbrado no tom do órgão dos cultos tipicamente cristãos (se você acredita em Um, necessariamente deve acreditar no Outro).
Cada uma das músicas selecionadas para aquele ritual foi fervorosamente cantada pelos fãs do Ghost, criando um coral que obedeceu de forma fiel o chamado de “Monstrance Clock” sobre a unificação para conceber o filho de Lúcifer. Ainda sobre ela, Papa Emeritus dedicou-a ao orgasmo feminino, fez o público jurar que o provocaria mais tarde e, em mais esse detalhe, se contrapôs aos dogmas da cultura católica que herdamos (mesmo que em nossas outras religiões e ateísmos).
É possível que o cramunhão não tenha se manifestado somente por duas “desfeitas”. O baixista, Nameless Ghoul Water, estava com o braço machucado e tocou do backstage, o que pode causar certo estranhamento para os desavisados que conhecem bandas apenas pelas playlists de streaming (como eu, crente que a banda não tinha baixista, até ser avisada do contrário pelo Papa). Além disso, o show teve uma duração bem frustrante para os fãs: cerca de 50 minutos.
No intervalo entre um show e outro pudemos compreender a razão. Um batalhão de roadies e técnicos tiveram aproximadamente 25 minutos para desmontar a capela dedicada a Satan e montar o palco para o maior dançarino que você respeita veterano e cineasta, Rob Zombie.
ATO II: Rejeitado pelo Diabo – Rob Zombie
Quando me dei conta que Rob Zombie teve a petulância de encerrar um ritual dedicado ao diabo só para cumprir com o seu horário com tranquilidade, entendi porque seu segundo filme se chama Rejeitados Pelo Diabo – mesmo que os rejeitados tenham tudo o que pessoas sãs consideram de diabólicos – gente muito trash não presta o devido respeito ao senhor das trevas e não tem a menor sofisticação pra invocar o cujo.
É impossível não fazer a relação da performance de Rob com seus filmes. Eu mesma só fui parar lá porque tenho na minha coleção antiga de DVDs alguns títulos do diretor. Além disso, trechos e trilhas musicais dos filmes são performados por Rob. O exemplo mais marcante é “House of 1000 Corpses” que conta com a risada medonha de Sheri Moon Zombie encarnada em Baby, mas também entra na lista “Lords of Salem“.
As primeiras cinco músicas pareceram não pegar bem o público. A impressão que tive é que a maioria das pessoas foi assistir Ghost e provavelmente ficou bem chateada com a interrupção. Foi aí que o talento de Rob como entertainer se provou mais uma vez: ele subiu na grade de proteção e cantou olho-a-olho com o público (ali em baixo, eu só queria gritar “eu tô aqui pelos filmes!!!”), performou as músicas mais esperadas, relembrou hits da sua antiga banda, o White Zombie, e fez até uma homenagem ao mestre Alice Cooper com “School’s Out“.
E ele não estava sozinho, pois toda a banda se dedica constantemente ao espetáculo. No segundo ato, vimos a invocação do público. John 5, criado por outro cara pintada do metal, Marilyn Manson, jogou amostras de bizarrices em forma de bicos luminosos, palhetas e toalhas em uma atitude completamente modesta – como se não fosse capaz de atiçar aquele povo com seu speed solo número 10 do mundo.
Eu, como boa bass fan, me deleitei muito mais com Piggy D., vindo da banda de horror punk Wednesday 13. Piggy D. contraria qualquer estereótipo de baixista que já ouvimos falar. Sua presença de palco equipara-se à de Rob, se destacando ainda mais do que John 5. Ele interagiu com o público a todo momento, tentou conversar conosco – mesmo abafado pela presença do som pesado – e trocou de baixo tanto quanto pode, proporcionando um prazer visual aos fãs de horror. Os corpos dos seus instrumentos tematizaram do caixão ao monstro de Frankenstein.
No fim, me parece mesmo que o Diabo não divide atenção. O mínimo que ele espera é todo o seu trabalho inteiramente dedicado a ele, com o compromisso certo dos rituais e performances dignas de sua aparição. Se você vier com essa história de zumbis, U.F.Os e bruxas, é melhor se conformar com o entusiasmo de meros humanos.
Tags: Ghost • Rob Zombie
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